Escrito por Mariana Bonora e Marina Piccini
1. Introdução sobre as mundanças na Cédula de Produto Rural (CPR)
Desde a tão falada MP do Agro, atual Lei 13.986/2020, a legislação brasileira sobre financiamento agrícola, e especialmente sobre títulos de crédito do agronegócio, tem vivenciado mudanças substanciais que já impactam significativamente a rotina de produtores rurais e financiadores da cadeia agrícola. Além de entender os aspectos práticos e adequações necessárias de imediato, é importante que toda a cadeia do agronegócio entenda o cenário geral destas mudanças, e quais os prováveis impactos futuros nas suas operações de captação de recursos.
2. Panorama sobre o agronegócio brasileiro e a CPR
Antes de falarmos nas alterações da CPR (Cédula de Produto Rural), importante frisar que as normas em questão mudaram vários aspectos relativos aos financiamentos, com a criação de novas possibilidades de captação pelo mercado.
O agronegócio brasileiro é uma atividade com alta demanda de recursos financeiros, seja para capital de giro, investimento, comercialização ou para contratação de seguro agrícola. Por exemplo, no caso de capital de giro, os recursos investidos hoje serão convertidos em receita depois de 9 meses, aproximadamente, dependendo do ciclo de desenvolvimento da cultura. Apesar de não existirem números oficiais a respeito, estima-se que, atualmente, 30% dos recursos destinados diretamente aos produtores rurais são provenientes de recursos subsidiados pelo governo brasileiro por meio do Plano Safra, outros 40% têm origem no capital dos próprios produtores rurais. O restante da demanda por crédito acaba suprida pelo mercado, seja por meio de fornecedores de insumos que realizam vendas a prazo, tradings, instituições financeiras, e o mercado de capitais, que tem aumentado sua participação nos últimos anos.
As alterações recentes nos títulos de crédito do agronegócio, na verdade, são parte de uma processo que já está ocorrendo há vários anos, como forma do governo incentivar a participação de empresas privadas no financiamento agrícola, diminuindo a dependência governamental do setor.
Neste movimento, tivemos a criação da CPR em 1994, e, posteriormente, em 2000, a inclusão da possibilidade de liquidação financeira deste título. Já em 2004, foi publicada a Lei nº. 11.076, que criou os novos títulos de crédito do agronegócio, dentre os quais o Certificado de Recebíveis do Agronegócio – CRA, que alguns anos depois abriu um novo capítulo na captação de recursos para o agro.
O objetivo deste artigo é de esclarecer alguns aspectos importantes referentes às CPRs, este importante título de crédito que fomentou o crescimento do setor agro.
3. O que mudou na Cédula do Produto Rural?
De forma geral, as alterações realizadas na CPR pela Lei 13.986/2020 buscaram modernizar os títulos agrícolas, e aumentar a percepção de segurança do mercado com relação a eles. Ou seja, atualmente não há uma clareza sobre a quantidade de títulos de crédito emitidos pelo setor, e o objetivo desta medida é de justamente reduzir esta assimetria de informações.
3.1. Registro da CPR em cartório
A CPR é um título de crédito, que é um documento onde se firma o direito de receber um pagamento, seja através de dinheiro ou outro objeto de valor certo, ou a obrigação de pagar determinado valor ou prestação a alguém. Ou seja, a obrigação principal. Já a garantia, seja ela um penhor, uma hipoteca ou uma alienaCédula do Produto Rural - Principais mudanças em 2021ção fiduciária de bem móvel ou imóvel é algo acessório, que está vinculada ao título de crédito.
No canal da AgroSchool publicamos um vídeo fazendo um paralelo entre a CPR e as garantias vinculadas com o dedo e a unha. Parece inusitado, mas ajuda a esclarecer muita coisa! Assista ao vídeo clicando aqui.
Partindo deste entendimento, entramos em um dos temas mais debatidos quando se fala em CPR que é o seu processo de registro em cartório. A Lei 13.986/2020 mudou a dinâmica deste processo, e estabeleceu a dispensa do registro do título no Cartório de Registro de Imóveis do domicílio do emitente para ter eficácia contra terceiros, permanecendo, no entanto, a necessidade de registro da hipoteca, do penhor rural e da alienação fiduciária de imóvel no cartório de registro de imóveis em que estiverem localizados os bens dados em garantia.
De modo resumido, se a CPR não prever nenhuma das garantias registráveis em cartórios, o título também não precisará ser submetido a este processo para valer contra terceiros. No próximo tópico, no entanto, veremos que foi instituído um novo requisito para esta eficácia.
3.2. Registro centralizado da Cédula de Produto Rural
Talvez a mudança mais impactante na rotina dos elos do financiamento agrícola, a obrigatoriedade de registro da Cédula de Produto Rural em entidade registradora ou depositária central foi criada com o objetivo de aumentar a transparência das operações para o mercado financeiro.
Esta obrigatoriedade foi escalonada e, desde 1º de janeiro de 2021, todas as CPRs emitidas com valor igual ou superior a R$ 1.000.000,00 devem ser levadas a registro em uma das entidades autorizadas pela Banco Central do Brasil a exercer as atividades de registro ou depósito centralizado. Importante ressaltar que este registro deve ocorrer em até 10 dias úteis após a emissão ou aditamento do título.
Em 1º de julho de 2021, a obrigatoriedade de registro será estendida às CPRs com valor igual ou superior a R$ 250.000,00; em 1º de julho de 2022, àquelas superiores a R$ 50.000,00, até que, em 1º de janeiro de 2023, todas as CPRs devem ser levadas a registro centralizado.
Apesar deste registro centralizado ter o fim de dar maior transparência ao mercado, até o momento não é possível extrair certidões das CPRs registradas. Para sanar este gargalo, o Banco Central do Brasil publicou a Resolução nº 52/2020, que prevê que as entidades registradoras e depositárias centrais devem disponibilizar a terceiros interessados, a partir de 1º de julho de 2021, mecanismo de consulta às informações das Cédulas de Produto Rural registradas ou depositadas. Tais informações deverão estar disponíveis para consulta pela internet, mas condicionadas aos terceiros interessados devidamente autorizados pelo emissor dos títulos a serem consultados.
Anteriormente estabelecido pela Lei do Agro (nº13.986/20), o prazo para conclusão do registro centralizado de CPRs era de 10 dias úteis, contabilizado a partir da data de emissão da cédula. Porém com a Lei nº 14.421 esse prazo altera de 10 para 30 dias úteis. A regra passa a valer para CPRs emitidas a partir de 11 de agosto de 2022. Até lá, mantém-se o prazo de 10 dias úteis para o registro centralizado.
3.3. Formato eletrônico da Cédula de Produto Rural
Outro aspecto relacionado a modernização na emissão destes títulos é a menção expressa da possibilidade de adoção de assinaturas eletrônicas, o que era visto com interesse, porém com grande receio pelos credores, que precisavam aumentar a eficiência operacional de suas transações sem prejudicar a validade jurídica dos títulos.
A princípio, a legislação não limitou o tipo de assinatura que poderia ser utilizado, no entanto, os provimentos do CNJ estabelecem que os documentos enviados para registro em cartório devem ser assinados com uso de certificado digital, segundo a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP.
Desta forma, como veremos no próximo tópico, nos casos em que a CPR não possuir uma garantia que demande registro cartorário, ela poderá ser assinada eletronicamente, sem a necessidade de certificado digital no padrão ICP-Brasil. Caso haja garantia real e, consequentemente, necessidade de registro cartorário, a Cédula deverá ser assinada com o uso do certificado.
As assinaturas de próprio punho continuam possíveis, mas, em vista do curto prazo registro centralizado (dez dias úteis da data de emissão), é recomendável que a assinatura eletrônica seja o processo padrão.
Novas informações obrigatórias para a formalização de CPR
Tendo em vista que nem sempre as CPRs trazem o seu valor em moeda corrente nacional de forma expressa no título, para que fosse possível avaliar a necessidade, ou não, de registro centralizado do título, a Resolução 4870/2020 criou a figura do Valor Referencial de Emissão, obtido pela multiplicação do preço praticado para o produto, no dia útil imediatamente anterior ao da data de emissão da Cédula de Produto Rural, pela quantidade do produto especificado.
O preço praticado para o produto deve obtido a partir de informações de acesso público, divulgadas periodicamente, em base preferencialmente diária, por instituição idônea e de credibilidade no mercado previamente definida pelas partes. Caso a CPR seja Financeira, a instituição ora mencionada deve ser a mesma definida para a obtenção dos referenciais de preço necessários à liquidação da Cédula. Por fim, quando o preço a que for denominado em moeda estrangeira, o valor referencial de emissão deve ser convertido em reais com base na cotação de fechamento, da data de apuração do preço, disponível no Sistema PTAX.
Estas informações, inclusive, deverão constar na cédula:
I - o valor referencial de emissão, com indicação do preço e da sua data de apuração; e
II - a identificação da instituição a que se refere o § 3º e da praça ou do mercado de formação do preço.
4. O que o produtor deve esperar?
Apesar do mercado ainda estar se adaptando às alterações trazidas pelos novos marcos legais, é importante que o produtor rural entenda as mudanças que já estão acontecendo e que irão se intensificar nos próximos anos e, principalmente, que se prepare para elas.
O primeiro ponto, e talvez aquele mais fácil de resolver, é a demanda de que o produtor esteja preparado para fazer negócios digitais. A pandemia acelerou este processo e, apesar de existirem casos em que as CPRs e outros documentos podem ser assinados sem certificação digital, a utilização dele ainda é exigida para documentos que demandem registro cartorário, bem como em outros atos formais.
Assim, é de suma importância que os produtores, incluindo cônjuges, providenciem a certificação digital no formato ICP-Brasil, também conhecido como e-CPF, e disponível em vários formatos, como cartão, token, aplicativo para celular, ou mesmo em nuvem. O processo de certificação é extremamente simples, e pode ser iniciado por meio dos sites das certificadoras.
O segundo aspecto importante destas alterações é o fato de que as informações sobre endividamento do produtor rural ficarão consolidadas nas entidades registradoras, e, em breve, estarão disponíveis para consulta das autoridades governamentais e credores em busca de informações para análise de crédito.
O terceiro, e mais importante, aspecto desta modernização legislativa é aproximar ainda mais o campo de outras fontes de financiamento, como o mercado de capitais, como forma de diminuir a dependência do setor de recursos governamentais. O produtor rural deve ficar atento ao fato de que precisa olhar para o mercado de capitais como financiador direto, e já preparar sua governança interna para estas modalidades de captação.
Esperamos ter conseguido esclarecer alguns pontos principais neste artigo. Estamos à disposição para esclarecer eventuais dúvidas.
Mariana Bonora – Bart Digital
Marina Fusco Piccini - AgroSchool
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